Quando falo sobre algo que amo, sempre tenho medo de ser muito mais prolixo do que precisava, sabe? Eu amo isso e preciso falar sobre cada detalhe, cada coisinha que torna isso especial. Um bom exemplo será falar sobre Paper Mario, RPG lançado para Nintendo 64 do qual você já deve conhecer. Foi meu primeiro RPG, a sigla que meus pais sempre disseram que era uma obra do diabo na vida das crianças. (a propósito, eu amo meus pais e sei que eles só estavam tentando me proteger com as informações que tinham na época e eu provavelmente faria o mesmo) mas como era o fofo e heroico Super Mario estava tudo bem! Então Paper Mario se tornou esse ponto de partida para mim.

E COMO EU AMEI ESSE JOGO. Joguei sem parar por dias até terminar, lutando com detonados porque não sabia inglês na época. Os comandos de ação foram uma virada de jogo para mim: um sistema de batalha baseado em turnos com eles não era chato, mas divertido e dinâmico! E o enredo, os personagens, tudo nesse jogo foi muito legal! Foi por causa do Paper Mario que descobri o RPG Maker, e depois as comunidades online, e depois a programação, e depois a ciência da computação... OK, acabei de ficar prolixo de novo. Eu adoro Paper Mario e conheço muito Paper Mario, e é isso que você precisa saber.

Porque, assim como é difícil falar de algo que amo, também é difícil falar de algo novo que foi inspirado em algo que amei. Durante alguns meses da minha infância, o Gabriel criança ficou obcecado por Paper Mario, e agora, mesmo sendo esta a crítica de Born of Bread, um NOVO jogo feito em 2023, vou acabar comparar os dois, até os mínimos detalhes.

Desta vez, porém, não é minha culpa. Vou explicar.

Entendendo a receita

Não há nada de errado em criar um novo jogo usando uma estrutura que até a Nintendo abandonou durante anos. Você já deve ter ouvido falar do "Paperverse", um nome fofo para um RPG parecido com Paper Mario. Os recursos mais comuns emprestados do jogo original são, principalmente, (1) uma mistura de cenários 3D com sprites de personagens 2D (como se fossem folhas de papel ambulantes); (2) foco na exploração simples dos mapas, utilizando as habilidades dos personagens para superar obstáculos; e (3) um sistema de batalha baseado em turnos usando "comandos de ação", pequenos QTEs que podem ser usados para fortalecer o ataque e a defesa. Você pode ver facilmente esta receita em Bug Fables, de 2019 e no ainda-em-produção Escape from Ever After, por exemplo.

Born of Bread, criado pela equipe da WildArts e publicado pela Dear Villagers, é um jogo Paperverse, claro. A estrela, em vez do encanador vermelho, é Loaf, um golem de pão que ganha vida durante um motim em seu reino por criaturas do passado. Seu trabalho é encontrar amigos e salvar o mundo recuperando pedaços de uma joia especial, que foi quebrada em pedaços e há muito tempo esquecida.

Tudo o que listei antes está no jogo. Os visuais são excepcionalmente lindos, com algumas animações detalhadas e cenários muito legais – não acho que isso justifique a compatibilidade da “próxima geração” no Xbox e no PlayStation, entretanto. Os mapas são pequenos, mas ele convida a explorá-los usando as habilidades do Loaf (ou de seus amigos). E até os comandos de ação estão lá, para apertar botões em determinados momentos e causar mais danos. A receita está aí e está pronta.

Mas o diabo está nos detalhes, e como eu disse, falarei dos detalhes. Há MUITO Paper Mario em Born of Bread, mais do que a inspiração usual do Paperverse. Não é plágio de forma alguma: todo o conteúdo aqui é original e você não pode patentear mecânicas. Mas eu não consigo imaginar outra maneira de definir esse jogo além de uma grande lista de “coisas que Paper Mario faz e que precisamos fazer também”.

O ataque primário (e no mapa do mundo) de Loaf é o mesmo do martelo de Mario. Nas batalhas, você tem um recurso para saúde, um para ataques especiais e um terceiro para ataques ainda mais especiais (como Star Power). Esses ataques ainda mais especiais são desbloqueados com base na trama, como as habilidades dos Star Spirits. Você pode coletar benefícios para obter habilidades passivas (como badges), e mais espaços para eles podem ser obtidos ao subir de nível. Se quiser incluir The Thousand-Year Door: os parceiros também têm HP e há um “público” assistindo as batalhas que pode recuperar alguns pontos se você tiver sucesso nos QTEs.

Iniciando uma batalha em Born of Bread

Até as coisas “ruins” do Paper Mario estão aqui! Você só pode salvar em pontos específicos do mapa (pelo menos meu pequeno dragão Dub — que protegerei para sempre — é melhor que um bloco furtacor). Seu inventário de itens tem um limite muito pequeno, então você jogará fora constantemente itens úteis. O mapa no menu ainda é inútil e você ainda precisa abrir um menu de contexto para mudar de parceiro. Eu queria muito uma tecla de atalho para trocar de parceiro, de verdade.

Eu estava jogando um jogo novo, com um novo enredo, personagens interessantes e um mundo lindo, mas ainda estava incomodado com os mesmos detalhes que meu eu de 10 anos também estava. Eles não precisavam estar totalmente de acordo com essa “lista”, principalmente por terem menos recursos e um escopo menor. Porque a lista não bastava: tem MUITAS ideias originais aqui, e isso é outra parte da receita.

Sabores em quantidade, não em intensidade

O que eu fiz não foi justo: Born of Bread NÃO é APENAS uma reformulação de um jogo de 2000. Há tantas ideias e conceitos originais aqui, misturados com a intenção de criar uma identidade mecânica para o jogo. Mas se você usar todos os temperos que tem na cozinha, não é garantido que criará um sabor poderoso. Se nada se destaca, sua comida fica meio sem graça.

Um bom exemplo é como você pode personalizar as construções do personagem, incluindo os ataques. No Paper Mario original, era muito simples: Mario pode obter novas habilidades por meio de badges e os parceiros encontram blocos especiais no mundo superior. É direto ao ponto e não oferece tantas estratégias, sendo bem honesto.

O sistema da mochila em Born of Bread

Born of Bread, por outro lado, é exagerado. Loaf tem uma mecânica de mochila como um inventário de Resident Evil, onde cada equipamento tem uma forma que precisa ser colocada dentro de um quadrado para estar disponível para a batalha. Cada amigo, por outro lado, tem uma árvore de habilidades completa e exclusiva, que só pode ser desbloqueada usando Skill Points — QUE VOCÊ PRECISA TROCAR por almas especiais que você encontra no mundo superior. Ao desbloquear uma linha completa na árvore de habilidades (cuja apenas uma habilidade pode ser equipada por vez), esse parceiro recebe um bônus de HP. E como eu disse, boons também são um tipo equipamento que pode dar habilidades passivas.

O problema de ter muitos desses sistemas é que nenhum deles é profundo o suficiente para permitir estratégias interessantes. É como fazer malabarismos com três mecânicas diferentes e elas simplesmente não funcionarem. O quebra-cabeça da mochila é muito simples, a árvore de habilidades é complicada, os boons são bem menos interessantes do que as badges de Mario. Parte de mim queria SÓ a mochila, mas para cada personagem separadamente. Basta incluir mais peças no quebra-cabeça (como bônus para adjacentes? ou colocar itens descartáveis na mistura?) e talvez teríamos um sabor importante, denso e bem feito para um jogo tão inspirado em outros.

Comandos de ação em Born of Bread

Outro exemplo são os próprios comandos de ação. Eu já estava cansado dos mesmos 6-8 QTEs quando estava no meio da história, porque muitas habilidades boas apenas pedem para você pressionar uma sequência aleatória de botões em ordem. O mesmo QTE aparece nas habilidades de cada personagem, às vezes várias vezes.

MAS, ao mesmo tempo, Born of Bread tenta ser Pokémon e tem um SISTEMA DE FRAQUEZA DE DUAS CAMADAS. Existem "tipos de ataque" no estilo pedra-papel-tesoura, e cada inimigo tem um tipo e APENAS resistência para um deles, mas também existem "tipos elementais" que usam um diagrama para permitir que SOMENTE as fraquezas dos inimigos dupliquem dano. Você não pode ver esses tipos durante a batalha, você não terá muitos desses tipos até bem mais tarde no jogo. Confuso? Eu também. Eu apenas considerei aleatório na maior parte, porque era MAIS UM sistema para entender em um jogo relativamente fácil.

Há muitas ideias originais em Born of Bread, e acabei de citar algumas delas, mas a falta de foco apenas prejudica esses sabores legais. Se você consegue sentir tudo ao mesmo tempo, e eles não se harmonizam, você apenas sente “alguma coisa” – e “alguma coisa” não é tão gostoso assim.

Um bom pacote, ainda meio cru

Por que eu me daria ao trabalho de escrever tanto texto só para dizer que o jogo é meio OK? Porque eu acho que Born of Bread tem um sabor muito bom no meio dessa massa mal inspirada. O enredo é divertido, alguns personagens são legais, o sistema de mochila é inteligente e o feeling do jogo está na medida certa (até o ponto que os QTEs ficam mais repetitivos do que o necessário, pelo menos).

Se eu quisesse jogar mais Paper Mario, jogaria Paper Mario novamente. Está até disponível no NSO para ser ainda mais fácil. Esperava jogar uma coisa nova, inspirada nas aventuras que adorei com surpresas que depois lembraria. Parte disso está aqui, mas não o suficiente. Você quer um Paperverse RPG bonito, divertido e fácil? Born of Bread está pronto para você consumir e pode ser servido em qualquer loja digital de sua preferência. Mas o sabor forte que só uma mecânica bem feita e focada pode dar não está no cardápio, infelizmente.

Essa resenha foi feita usando uma cópia de análise enviada pelo time de desenvolvimento ao CosmoNerd, onde eu escrevi meu artigo original sobre o jogo. Obrigado pela confiança!